O ex-ministro moçambicano Manuel
Chang, detido na África do Sul desde dezembro a pedido dos Estado Unidos,
continua a gozar de imunidade parlamentar e poderá não ser julgado em
Moçambique.
No pedido de extradição feito por Moçambique, com dez
anexos, remetido em 8 de abril ao Governo para decisão sobre a extradição de
Manuel Chang, a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique dá conta,
no anexo 6, da "deliberação da Assembleia da República (AR) que aprova a
aplicação da medida de coação máxima contra Manuel Chang", sem especificar
no entanto a "medida" a aplicar contra o também deputado da Frelimo
(Frente de Libertação de Moçambique), o partido no poder em Moçambique desde
1975.
No documento, as autoridades moçambicanas não dizem se a
Assembleia da República de Moçambique deu consentimento para Chang ser
submetido a julgamento e se, por outro lado, deliberou sobre o levantamento da
imunidade do deputado moçambicano, como refere o Estatuto do Deputado da AR e
está igualmente previsto no Protocolo de Extradição do SADC (Comunidade de
Desenvolvimento da África Austral), nos termos do qual a sua extradição se
encontra agora pendente da decisão do Governo sul-africano.
Em condições de extradição para os EUA
O juiz William Schutte considerou válido o pedido
concorrencial de Moçambique, ao remeter em 8 de abril para o ministro da
Justiça, Michael Masutha, a decisão sobre a extradição de Manuel Chang depois
de ter decidido no mesmo dia de manhã que o antigo governante moçambicano tem
condições para ser extraditado para os Estados Unidos.
JJ du Toit, procurador do Ministério Público sul-africano
A documentação completa do pedido de extradição moçambicano foi entregue pelo Ministério Público ao tribunal de Kempton Park, logo após a leitura da sentença sobre o pedido norte-americano. O pedido foi entregue pelo procurador do Ministério Público JJ du Toit ao juiz William Schutte. "O anexo 6 é uma declaração da Assembleia da República de Moçambique levantando a imunidade contra o Sr Chang, datada de 29 de janeiro de 2019, porque de acordo com a Constituição de Moçambique, os membros da Assembleia tem imunidade e esse documento indica ao Tribunal que a Assembleia Nacional [de Moçambique] levantou essa imunidade para que os procedimentos [judiciais] possam prosseguir", disse o procurador do Ministério Público, JJ du Toit, ao entregar a documentação formal completa do pedido de extradição da PGR de Moçambique ao juiz William Schutte.
Du Toit sublinhou que, tendo em conta que os sistemas legais dos dois países diferem, o Ministério Público sul-africano fez questão de solicitar em 20 de fevereiro à PGR de Moçambique esclarecimento sobre a extradição de Manuel Chang, nomeadamente "se era para extradição ou para uma detenção de pré-julgamento para fins de investigação".
"O Ministério Público de Moçambique não emitiu ainda uma acusação formal contra o arguido e coarguidos, facto que está em curso", disse Du Toit, citando depois a Procuradora-Geral de Moçambique, Beatriz Buchili, na sua reposta em 21 de fevereiro, ao Ministério Público da África do Sul.
"A investigação criminal contra Manuel Chang, em Moçambique, teve início em 2015 e, em resultado, ele é acusado de ter cometido sete crimes que, à luz da lei moçambicana, prevê a detenção em pré-julgamento", adianta Beatriz Buchili.
"É por esta razão, que quando Moçambique apresentou o seu pedido para a detenção do arguido, depois de satisfeitos todos os requerimentos para a detenção de pré-julgamento, solicitou a prisão do arguido, e por conseguinte, não significa que a detenção visava os propósitos da investigação, mas para garantir o cumprimento dos procedimentos do caso até à sua condenação", salienta a PGR de Moçambique.
O advogado Du Toit disse ainda que o Ministério Público considerou que os crimes enunciados pela PGR de Moçambique contra Manuel Chang - abuso de cargo ou funções, violação da legalidade orçamental, burla por defraudação, peculato, corrupção passiva para acto ilícito, branqueamento de Capitais e associação criminosa - têm aplicabilidade na legislação sul-africana.
Em 28 de janeiro, a AR de Moçambique deliberou, a pedido do Supremo Tribunal, sobre "o consentimento para prisão preventiva" do ex-ministro das Finanças e atual deputado Manuel Chang.
Manuel Chang num tribunal sul-africano
"A Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos
Humanos e de Legalidade considera que estão reunidas os fundamentos materiais e
os pressupostos e requisitos constitucionais e legais para que a Assembleia da
República possa consentir a prisão preventiva de Sua Excelência Manuel Chang,
Deputado da Assembleia da República", lê-se na "conclusão" do
parecer de 28 de janeiro do parlamento moçambicano, a que a Lusa teve acesso.
Todavia, os partidos da oposição Renamo (Resistência
Nacional de Moçambique) e MDM (Movimento Democrático de Moçambique)
mostraram-se contra a deliberação da AR.
Segundo o documento, o Tribunal Supremo de Moçambique
solicitou a 24 de janeiro de 2019 o "consentimento da Assembleia da
República para a imposição da medida de coação máxima (prisão preventiva) ao
deputado Manuel Chang". Um dos pontos do Estatuto do Deputado da AR de
Moçambique, refere-se à "Inviolabilidade" e pode ler-se que
"nenhum deputado da Assembleia da República pode ser preso, salvo em caso
de flagrante delito, ou submetido a julgamento sem o consentimento deste órgão
ou da sua Comissão Permanente".
"O levantamento da imunidade é precedido de debate no
Plenário da Assembleia da República ou na Comissão Permanente", o que não
aconteceu até à data em Maputo, disse à Lusa fonte parlamentar moçambicana.
Dívida multimilionária
Manuel Chang é um dos visados num processo judicial internacional que investiga quase dois mil milhões de euros de dívidas ocultas de Moçambique, entre 2013 e 2014. A justiça norte-americana iniciou um processo para investigar o esquema de corrupção, aguardando pela extradição de alguns dos envolvidos.
Todos são acusados de envolvimento num esquema de corrupção que lesou o Estado moçambicano, devido a empréstimos ocultos às empresas estatais moçambicanas Ematum, Proindicus e MAM, garantidos pelo Estado, cujos valores foram desviados alegadamente para enriquecimento próprio dos suspeitos.
O caso vai ser julgado ao abrigo da Lei das Práticas de Corrupção Estrangeiras (FCPA, na sigla em inglês), que condena o pagamento de subornos a membros de governos estrangeiros para aprovação de negócios em benefício próprio.
Segundo a acusação, representantes da Privinvest foram acusados de "inflacionar os preços de equipamentos e serviços" fornecidos a Moçambique, libertando assim o dinheiro para o esquema de subornos.
Em 2016, a revelação de que o Estado tinha dado garantias escondidas a empréstimos levou à suspensão de vários apoios internacionais, contribuindo para a degradação das perspetivas económicas do país.
Neste momento, o Estado moçambicano defende que a garantia estatal dada ao empréstimo feito à empresa pública ProIndicus não é vinculativo e defende o "cancelamento imediato" desta dívida de quase 600 milhões de dólares (535 milhões de euros).
Sem comentários:
Enviar um comentário